fonte: Folha de SP

Está quase tudo pronto para que a fosfoetanolamina, suposta “pílula do câncer”, comece a ser testada oficialmente em seres humanos no país. Os protocolos dos testes clínicos já foram aprovados pela Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, órgão federal que regula esse tipo de estudo), e os especialistas agora aguardam que o laboratório do interior paulista responsável pela produção da substância providencie as doses necessárias para os ensaios, contou à Folha o oncologista Paulo Hoff.

Diretor do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, Hoff será o responsável por coordenar os testes clínicos da “fosfo”, como é conhecida, num clima de crescente pressão popular por acesso à substância, cuja produção, comercialização e uso foram aprovados em lei federal neste mês.

“Minha opinião sobre esse processo é muito clara: a liberação sem que sejam cumpridas as condições dos estudos clínicos fragiliza a proteção ao paciente”, diz Hoff. “É algo que aparentemente pode trazer um alívio momentâneo para aqueles que enxergam o produto como um último recurso, mas que a médio e longo prazo não é bom, e digo isso independentemente da substância ou terapia que esteja em questão.”

O desenvolvimento de possíveis novos medicamentos costuma seguir uma série de passos já consagrados pela pesquisa médica em todo o mundo. Após os chamados testes pré-clínicos (feitos em células cultivadas em laboratório e em animais cujo organismo é um modelo, ou seja, uma simulação da doença humana), as substâncias mais promissoras chegam à etapa dos ensaios clínicos.

Esse momento da pesquisa costuma ser dividido em três fases. Na fase 1, um pequeno grupo de pacientes (na casa das poucas dezenas) recebe a droga, e a tarefa inicial dos cientistas é verificar apenas se a molécula é segura para o organismo humano. Na fase 2, esse grupo é ampliado para até algumas centenas de pessoas, e os pesquisadores verificam se a droga é eficaz no tratamento de uma doença específica. Finalmente, a fase 3, com milhares de pacientes, busca confirmar os dados sobre eficácia, verificar se há efeitos colaterais relativamente incomuns e comparar a nova droga com outros tratamentos já conhecidos.

Embora relatos sugiram que vários milhares de pessoas chegaram a usar a “fosfo” desde a década de 1990, quando a pílula começou a ser produzida e distribuída informalmente pela equipe do químico e professor da USP Gilberto Chierice, os únicos testes formais e controlados de seu uso foram os pré-clínicos, em culturas de células e animais. Embora Chierice e seus colaboradores tenham publicado alguns artigos científicos indicando resultados promissores, e apesar dos relatos positivos de pacientes que usaram a droga, ainda não se sabe quase nada de seguro sobre seu efeito em pessoas.

Como a metodologia dos testes clínicos exige um acompanhamento rigoroso e constante dos pacientes, críticos da lei que liberou a “fosfo” apontam que haverá um desestímulo à participação nos ensaios, já que seria mais fácil simplesmente usar a pílula. Hoff, porém, discorda. “Acho que não vai haver um impacto negativo. Naturalmente, algumas pessoas podem perder o interesse, mas a maioria dos pacientes compreende a importância de seguir os passos aceitos por toda a comunidade médica.”

“Não vejo evidências suficientes, neste momento, para dizer se o produto é efetivo ou não. Mas o importante é que conseguimos projetar e aprovar o estudo em tempo recorde. Ou seja, estamos fazendo todo o possível para que ocorra a avaliação clínica da maneira mais adequada possível e para que, caso os resultados sejam positivos, o produto possa ser usado com segurança pelos pacientes”, afirma o oncologista.

Como nunca houve uma fase 1 formalizada, os primeiros a receber as pílulas no teste clínico serão dez pacientes do SUS que já são acompanhados pelos médicos do Icesp. A partir daí, se não houver indícios de efeitos negativos da fosfoetanolamina, o número de pacientes incluídos no estudo será progressivamente ampliado.

Hoff diz lamentar o clima de “nós contra eles” que surgiu com a pressão popular pela liberação da pílula. “É muito complicado quando as pessoas enxergam nossa cautela como uma visão de quem é contra o produto – ou você está de um lado ou está do outro. E não é nada disso. Se o produto mostrar benefícios, é óbvio que todo mundo vai abraçar isso. Há uma má interpretação do público que acaba colocando os pacientes contra os médicos.”

A Folha entrou em contato com o laboratório PDT Pharma, de Cravinhos (SP), que deverá produzir as doses de fosfoetanolamina para os testes clínicos. Funcionários do laboratório disseram que ainda não há uma data para o despacho das remessas para os ensaios e que o laboratório convocará uma entrevista coletiva para informar sobre o progresso dos trabalhos. Depois da produção no laboratório, a “fosfo” será encapsulada na Furp (Fundação para o Remédio Popular), em Américo Brasiliense (SP).